segunda-feira, janeiro 28, 2008

post nº 029

A BOLA (raistaparte I)

Não devia ter acontecido e não vale rir porque esta doeu.

Esta bola tinha uma particularidade... era de madeira maciça, pesava cerca de 2/3 quilos, media cerca de 30 centímetros entre os pólos, não sei para o que servia ou serviu... mas parecia mesmo uma bola.

Lá isso parecia. E então pintada de preto e castanho, parecia uma daquelas de catchu (cow-shoe, pele de vaca, sola de vaca, sapato de vaca... vacaria… v(elh)acaria).

Nós, os incorrigíveis putos do Chipangara (vale a pena repetir os nomes): O Chico (da famosa família dos Manacas), o Quim e o Guêdo (descendentes do Sr. Dias da cantina com o mesmo nome), O Adolfo “Tufas” (filho do Sr. Rocha que, nós suspeitávamos, caçava gambozinos sem licença) e eu, irresponsável e inimputável, porque era o mais novo, … nós, como dizia o inimputável, tínhamos ideias do caraças.

Não é que tivemos ideia de jogar à bola com aquela bola... tipo “passa a bola”... quem deixar cair é B, depois BU, a seguir BUR, BURR, até chegar a BURRO finalmente (e completamente).

Entre nós os cinco sabíamos que a bola era maciça, era de madeira, era para jogar à mão. Não havia necessidade de mais ninguém saber.

Pois bem... já íamos em BURR quando chegou de bicicleta o nosso amigo Tony, do bairro ao lado. Saltou da bicicleta e quis jogar entrando na roda com os mesmos pontos do último, que era BURR... quase BURRO.

A nós nem uma palavra ocorreu dizer.

Estava-se mesmo no BURR. Bastava um “só à mão!!!”

Ainda hoje não sei se foi esquecimento ou uma forma mórbida de subterfúgio malvado que manteve as nossas bocas fechadas.

Sei que ficámos silenciosos... com a boca escancarada... quando vimos o Tony cabecear a bola, em voo rasante, gritando Yaúca...!!

Seria sua intenção, certamente, marcar golo (nem me lembro de que clube era o Yaúca). A verdade é que caiu redondo, desmaiado (só, felizmente) no chão.

Vocês nem sabem o que se pode fazer num segundo.

O espaço à frente da cantina do Sr. Dias ficou deserto, não só de nós, os putos, mas de todos os que assistiam. A poeira levantada pelos nossos pés em fuga, ainda hoje deve estar a tentar assentar.

Eu fugi para casa e a minha mãe, surpreendida, perguntou-me: Já? O almoço não está pronto! Respondi: já estou com fome.

Era pelo menos a segunda vez que usava esta desculpa e sempre por ter de fugir para casa mais cedo que o previsto.

O Quim e o Guêdo simplesmente entraram na cantina cujo dono tinha o mesmo nome que ela e, nesse dia, pela primeira vez, começaram a aprender sobre o comércio do pai para espanto dele.

O Chico fugiu comigo, pois morava ao meu lado. Contou-me que tinha tido dor de barriga e que tinha sido isso que contou à Dona Joaquina, sua avó. Foi o único que não usou qualquer desculpa. Teve mesmo dor de barriga.

O Adolfo “Tufas” pegou na bicicleta do Tony e pedalou pela sua vida, até se cansar. Escondeu a bicicleta num caniçal qualquer e voltou, assobiando, para casa.

Nunca mais soube o que aconteceu à bicicleta. O Adolfo fechou a boca de chocalho e nunca disse nada. Hoje, a bicicleta, já deve fazer parte da flora da região.

Não nos voltámos a encontrar durante muito tempo. Esta tinha sido dura.

Quanto ao Tony, foi para o hospital ou casa de saúde, ou lá o que foi, e nunca mais voltou ao Chipangara ou Espangara. Soubemos mais tarde que levou 19 pontos na carola. Ainda bem que tinha sido só de raspão.

Imaginámos que terá dito aos pais que tinha sido atacado para lhe roubarem a bicicleta... razão pela qual nunca ninguém veio à procura dela... e muito menos o Tony.

Ficámos tremendamente envergonhados.

Ah! É verdade! Foi o Sr. Dias, da cantina com o mesmo nome, que levou o Tony ao hospital.

O Sr. Dias da cantina era um senhor bom que se cruzava muitas vezes connosco, infelizmente para ele.


Jorge Coimbra

FIM

1 comentário:

Anónimo disse...

O que eu gosto de ler as vossas estórias de miúdos...numa terra e num tempo em que brincavam na rua livremente, praticando aquelas malandrices tão próprias da idade.
Meu "velho" amigo, a minha idade é aquilo que sinto, às vezes bem mais "cansada" do que possas imaginar...mas havendo saúde a gente vai continuando, assobiando, e olhando para o lado, para não ouvir a tristeza.
Um beijo, theo