domingo, maio 25, 2008

post nº 063

BRINCADEIRAS DE MAU GOSTO (raistaparte III)
(vide raistaparte I no post 029 A BOLA)

(vide raistaparte II no post 047 A ESPINGARDA)

A Água

A água foi sempre o meu modo de vida predilecto quando era puto. Havia o Mata-sete mas o Mete-água... sou eu mesmo. Uns metem areia nas engrenagens... eu meto água.


Donde é que vêm os bebés, hã?

São as cegonhas que vão buscá-los à água e depois trazem-nos, ainda a pingar, no bico, e deixam cair os pobrezinhos pela chaminé, que até se queimam todos se as mamãs estiverem a cozinhar. Até ficávamos traumatizados e tudo.

A mim... a cegonha enganou-se e atirou-me ao matope do Chiveve. Isso ia dando confusão lá em casa porque só depois de me darem banho (lá está: água!) é que viram que afinal não era preto. (o que eles não sabiam é que eu era, e ainda sou, branco, preto e mulato... vide post nº 013)

A água servia para chapinhar (sim que eu adorava salpicar os outros), servia para nadar (sim que eu danava-me por trocadilhos… como eu danava tão bem! Que nem prego na mania de alguém). Servia para beber (sim que eu sempre tive muita sede de tudo). Servia para tomar banho (sim que eu estava sempre a sujar-me com as coisas que não devia fazer). Servia para tudo…ou quase tudo.

E quem era eu? Eu era um dos putos do Chipangara (bairro pobre de caniço, lata e matope na Beira de Moçambique).

“Terríveis” dizia a minha mãe. “Inventores” dizia-mos nós, os putos. “Catraios da pôrra” dizia o Sr. Dias, da cantina com o mesmo nome, e que era de Vila Nova de Gaia Carago).

Assumindo sempre aquilo que éramos, terríveis, inventores ou da porra, segundo o ponto de vista, e sabendo que devíamos sempre viver conforme a fama e que a fama não servia para nada sem o proveito... decidimos construir um barco, diria mesmo o nosso iate.

Já tínhamos roubado tantas vezes o “coxo” do Tomé pescador que tivemos pena dele. Atenção! Que “Coxo” não era a condição física do Tomé pescador mas o nome que se dava (lá no Chipangara) às pirogas cavadas dum tronco de madeira.



A estrada para a Praça da Índia alagada... o "coxo" a trazer o meu pai.

E também a palavra “roubado” está aqui mal aplicada, pois nós só roubávamos o Tomé pescador temporariamente. Era só para dar umas voltas no lago atrás da minha casa. E só até o “coxo” virar ou/e nós ficarmos molhados... o que quer que viesse primeiro.

Mas agora com estas cheias, o Chipangara estava cercado de água por todos os lados, para nosso deleite… ou de l’água.

Por isso é que o “coxo” do Tomé era muito requisitado para transporte de pessoas. Era o “machimbombo” do Chipangara durante as cheias. Era o nosso táxi local.


Os coqueiros do terreno da D. Catarina de 112 anos de idade, a casa do Rocha (Tufas) e nós, 3 dos putos do Chipangara à espera do "coxo" que chega...

Com estas cheias, duas das três pontes do Chiveve estavam submergidas e a outra desaparecida. Bestial!

Então decidimos construir o nosso próprio bote. Nunca a expressão “dar o bote” se aplicou tão bem, como verão a seguir.

Materiais? Ferramentas? Pequenas necessidades para nós inventores.

Pusemo-nos a pensar... “havia o DêKáVê do Sr. Dias, da cantina com o mesmo nome. Estava a cair de podre, pensámos nós. Tinha os pneus vazios, ou quase. Estava velho, ou quase. Já não servia para carro. Só servia para fazer um barco, ou quase.

O DêKáVê era um DKW, sim senhor. Já tínhamos o material: a capota do DKW. Quanto a ferramentas... ora, qualquer martelo e escopro serve.

O que se queria era sacar a capota e virá-la ao contrário... tinha que flutuar.

O “Tufas” que era a alcunha do Adolfo Rocha, porque cada vez que fazia algo difícil, como martelar, dizia “tufas!”, como quem diz “toma lá!”... Mas, como dizia eu, o Tufas era bom de martelo.

Depois de muito amasso, umas vezes na chapa outras nos dedos, tufas, conseguiu-se tirar a capota ao DKW do Sr. Dias. Ele há dias do caraças (ou carago, como diria o próprio Sr. Dias).

Agora o DKW sem capota ficou mais encapotado pois já pouca semelhança tinha com um DKW.

Ah era necessária qualquer coisa que selasse os buracos, causados pelas marteladas mal dirigidas, e vidros desencaixados. Sim, porque o barco tinha vidro á frente e atrás para ver os peixes. Ia ser do camândrio (nunca cheguei a saber o significado desta palavra).

Babámos de prazer antes de ir para a cama, ao fim do primeiro dia.

No dia seguinte, já com ideias novas, fomos reunir no sítio do costume (na nossa palhota de caniço no meio do mato). “É preciso alcatrão” disse o Tufas, que tinha sempre qualquer coisa para dizer e, desta vez, até fazia sentido.

Não havia problema. Ali mesmo ao lado, no bairro das Palmeiras, que nós conhecíamos por “Correios”, andavam a alcatroar as ruas. Só era preciso ir buscar o alcatrão.

Roubar um balde de alcatrão quente só é difícil para quem rouba sem luvas. Também nunca nos passou pela cabeça cobrir as nossas impressões digitais.

Roubou o Tufas, o mais forte, e o Chico, o mais veloz. As camisolas estragaram-se com alcatrão quente. Todos apanhámos uma sova nesse dia. Éramos solidários uns com os outros.
“Não aguenta camisola” nunca foi uma frase que se aplicasse muito a nós.

Ah, o Chico era da família dos Manacas, não sei em que geração, mas tinha os genes deles, que foram dos melhores desportistas de Moçambique... tinham recordes e tudo. Por isso era o mais veloz, só por isso, mais nada.

Mas o nosso barco, ex-capota, precisava de ter os buracos fechados, vidros encanados, etc., e o alcatrão veio mesmo a calhar.

Toca a trabalhar. Toca a remendar os buracos, toca a selar os vidros, toca aqui, toca ali (era o dá-me cinco, “give me five” do nosso tempo).

Está pronto! Há que fazer a viagem inaugural!

Toca a carregar o barco para o lago do Chipangara. Já estava baptizado. Era o “caniço”. E a provar tínhamos escrito o nome na parte de trás, em tinta branca, roubada ao (até me custa dizer) Sr. Dias, da cantina do mesmo nome.

Barco à água!... Todos a bordo! Bem, todos juntos éramos cinco. O barco afundou. Apanhámos a primeira molha logo ali no molhe, por entrarmos todos à molhada.

Havia que fazer turnos. Dois de cada vez e sem fazer ondas.
Ondas... n'é? Deviam ter visto as ondas que o Sr. Dias, da cantina com o mesmo nome, fez quando nos viu a navegar de capota.

Demorou algum tempo a perceber que era o seu DêKáVê, como já disse antes, encapotado.


A cantina com àgua de permeio, entre o Chipangara e o bairro das Palmeiras ("Correios"). Um barco (verdadeiro, sem estar encapotado) que servia para o vai e vem da cantina do Dias... e a civilização.

Resumindo: O primeiro a apanhar foi o Quim (de Joaquim, que era o filho mais velho do Sr. Dias). O segundo foi o Guêdo (de Alfredo, que era o seu mais novo). A seguir foi o Tufas (que tinha jeito para o martelo, mas era fraco em desculpas). Depois foi o Chico (que avó Joaquina não perdoa). Por fim fui eu (que a minha mãe só deu ralhete, mas o meu pai nem falou,... Pimba! Tufas!)

A verdade é que p’raí uns vinte dias depois, já o barco era da exclusiva pertença dos putos do Chipangara.

Subimos a parada.

Para não magoar mais o Sr. Dias, quando nos via a passear de barco, mesmo à frente da sua cantina, do mesmo nome, fomos com o “caniço” até à praia.

Imaginem os “bifes” que enchiam a praia à frente do Miramar (também não era preciso ter ido tão longe), imaginem a cara deles ao verem passar cinco putos a carregar uma capota de carro até à água do mar... e partir de abalada.

Cinco putos que podiam ter mudado o rumo das histórias de aventuras se a Enid Blyton tivesse tido conhecimento deles.

Parece que ainda estou a ver a cara dos “bifes”. Alguns levantaram-se e fizeram pala com a mão para ver melhor, em surpresa e espanto, que só dignificava o nosso trabalho.

As gaivotas fugiram que era dia de borrasca no mar e na terra é que se tá bem.

Os caranguejos, cada um no seu buraco, observavam.

Não era maré de camarão fino, nem alforrecas, nem bagres nem buinos. Todos se piraram com medo das represálias de Poseidon.

Uma capota a navegar com dois putos por marujos. Um sentado a remar outro em pé, da camisa aberta, segura pelas mãos (á laia de vela). “What a site” disse um bife!

“What a stupid” disseram os cinco putos, depois de ver que um barco, sem patilhão, ou qualquer outro meio de navegação, era impelido pelo vento, sem destino.

E o destino quis que o barco afundasse não muito longe da praia... p’raí uns 200 metros. Os putos nadaram para terra ajudados por alguns “bifes” que chegaram a temer o pior.

Nós, pelo contrário, nunca temíamos o pior. Nós só temíamos que o céu nos caísse em cima sob forma de tareia, nada mais.

A roupa secou a caminho de casa... não deixou provas. Sem provas não há culpados. Sem culpados não há castigos.

Termino esta história com um pequeno apontamento só para dizer que, no outro dia, antes dos “bifes” acordarem, e antes da maré subir, já tínhamos resgatado o nosso barco. Foi preciso uma corda nos dentes e alguns mergulhos... nada de muito difícil.

Voltámos para o Chipangara. Tínhamos já dado a volta ao nosso mundo. Tínhamos já material para contar ao nossos filhos e netos.

O “caniço”, essa ex-capota da marca DKW, afundou finalmente no dia em que deixámos o Chipangara, mas flutuará para sempre nas águas da minha memória.

Jorge Coimbra



domingo, maio 18, 2008

post nº 062

GESTOS DE AMOR

Mãos que falam e que dizem tudo
Dedos... lábios, gestos entrelaçados,
Como carinhos de beijos apaixonados
Palavras silenciosas dum poeta mudo

Nunca o silêncio é tão eloquente
Como no sossego das palavras desenhadas
Pintadas no ar em que são criadas,
Gestos surdos, como amor adolescente

Queria atirar-me sem fazer barulho
Para dentro da alma e, em mergulho
Afogar preconceitos, sem ter pavor

Queria ser poeta de gestos, não palavras
Queria ter as mãos como minhas escravas
Para as obrigar a descrever o amor

domingo, maio 11, 2008

post nº 061

ULTRAPASSEI A CRISE DOS 60... como diria o Zé Paulo (em número de mensagens... não de idade, que essa já ultrapassei há muito tempo, em espaço mas não em tempo).

Se os primeiros são sempre os últimos os últimos são sempre os primeiros.

Eu disse nada ao meu filho Eric...
Eu não disse: eu nada disse ao meu filho Eric...
Eu disse: eu disse nada ao meu filho Eric...

Percebeis?

Ver o vídeo.

Jorge Coimbra

segunda-feira, maio 05, 2008

post nº 060

E DEPOIS...?

DEPOIS DA VERDADE
VEM A TEMPESTADE
DEPOIS DA PACIÊNCIA
ESGOTA-SE A LIBERDADE

DEPOIS DA DILIGÊNCIA
VEM A AUSÊNCIA
DEPOIS DA SAUDADE
FICA A CARÊNCIA

...e hoje apetece-me acabar com tudo isto.

Jorge Coimbra

quinta-feira, maio 01, 2008

post nº 059

LIBERDADE

quando a LIBERDADE e a VERDADE não caminham lado a lado... (mesmos indo juntas, podem não estar lado a lado) nem a LIBERDADE é sincera nem a VERDADE é livre.