terça-feira, fevereiro 26, 2008


post nº 047

A ESPINGARDA (raistaparte II)
(vide raistaparte I no post 029 A BOLA)

Para nós, os Putos do Chipangara (dementes como nos chamava o Sr. Dias da cantina), construir uma espingarda não foi muito difícil.

Material havia em barda. Nas obras, que por ali se faziam, havia muitas coisas que se podiam aproveitar.

Aproveitámos um tubo de canalização de água que já tinha um bujão a tapar uma das extremidades. Com a chave francesa, que o meu pai me emprestou sem saber, mais o berbequim que o Sr. Dias tinha mesmo à mão de usar, sacámos o bujão do tubo e, com muito cuidado, suor e impropérios, impróprios para a nossa idade, fizemos-lhe um furo mesmo à maneira.

De seguida fomos comprar fiado umas bombas de Carnaval à cantina Dias, cujo dono tinha o mesmo nome. As bombas “águia” eram as mais potentes e tinham um rastilho maior.

Com um pouco de madeira, que por ali abundava, mais uma goiva e um formão, martelo, polaina, muito esforço e pouca perícia, lá conseguimos fazer uma culatra para a nossa espingarda. Lembro-me de o Sr. Dias se ter queixado que “alguém” lhe tinha “ido” ao arame, pendurado na porta da cantina, que vendida a metro. Esse alguém foi o mesmo que amarrou o cano à culatra.

Espingarda feita, falta o teste.

Enfiámos o rastilho da bomba “águia” através do furo no bujão e rolhamos com toda a nossa força na extremidade do tubo. Pensámos, na altura, que o tiro podia sair pela culatra, por isso usámos mesmo muita força.

Procurámos um berlinde que se ajustasse, na perfeição, à largura interior do tubo, que, devo dizer, foi a parte mais fácil.

Com a espingarda devidamente municiada, fomos procurar um muro que ficasse virado para o mato, no caso de haver suspeitas do teste de tiro que nós íamos fazer.

O muro do quintal do Dias ficava virado para o mato, só tinha uma estradinha de terra batida de permeio.


O plano estava traçado: acender o pavio, fugir a sete pés…não, dez pés que nós éramos cinco.

Posso agora dizer, com segurança, que quem partiu a cabeça ao ciclista que passava fomos nós. E que quem partiu a clarabóia do telhado do Sr. Dias foi o ciclista vingativo. Não foram nem o Quim, nem o Guêdo, que a partiram... foi o ciclista. Mas o Sr. Dias não acreditou neles.

A espingarda desapareceu convenientemente, depois de desmontada.

O crime não compensa mesmo.


Jorge Coimbra


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