quarta-feira, março 25, 2015
sexta-feira, abril 15, 2011
quinta-feira, março 24, 2011
PASSO OS DIAS
Passo os dias a escrever
Papeis de branco caiados
Pintados dos meus pecados
De querer tanto e não ser
Dúvidas, não as quero ter
Mas duvido que o consiga
Mesmo que diga ou não diga
Já ningém me quer saber
Rasgo papeis ainda em branco
Antes mesmo dos pintar
Com este sentir que é franco
Já não sei se vou caiar
Estas paredes em que me tranco
Para me ajoelhar a orar
Jorge Coimbra
quinta-feira, março 25, 2010
AMAR... É FACIL
Era fácil dizer simplesmente que te amo
Como se o amor fosse um engano na vida
Era fácil amar-te mesmo que o desengano
Fosse o único espinho da minha alma ferida
Era fácil abraçar-te mesmo que o não quisesses
E que ainda com o olhar duro me afastasses
Calando-me os surdos pedidos e as preces
Quando por ti eu chorasse quando chorasses.
Era fácil olhar para o sol que se põe no horizonte
E dizer que esse é o dia que renasce ansioso
Para que me abraçasses também nesse poente
Era fácil beber sedento dessa poeirenta fonte
Saciar todas as feridas das quais sou doloroso
E dizer ainda que te amo... e para sempre
Jorge Coimbra
terça-feira, fevereiro 02, 2010
ESTOU FARTO
Estou farto de ainda ser como sou
Quando sigo caminhos por onde não vou
Me abrigo e escondo onde não estou
E vivo do pensamento que a alguem sobrou
Estou farto de morrer só para viver
Como a onda na praia que tem que bater
Como o vento que sopra só para morrer
Contra rochas, como as asas do saber
Estou farto de canetas que nunca escrevem
De feridas que saram sem nunca doerem
De quem diz que sofre e não é doente
Estou farto de eras novas, poesias e trovas
E de rimas, rimadas em boas novas
Quero agora escrever com tinta permanente
Jorge Coimbra
sexta-feira, janeiro 15, 2010
STOP ALL THE CLOCKS...
À laia do post nº 030, aqui coloco uma pouco subtil tradução (de minha autoria com pouca autoridade) do brilhante poema de W.H. Auden...
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aero planes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.
W. H. Auden
... agora a minha tradução... ou, pela força do poema, transladação:
Parem todos os relógios, desliguem o telefone
Façam o cão parar de ladrar pelo osso da fome
Calem todos os pianos, e ao surdo som de tambores
Tragam o caixão e que carpideiras chorem as dores
Obriguem aviões a dar lacinantes círculos no céu
Riscando no vazio do ar a mensagem: Ele morreu
Pombas vistam laços negros em forma de coração
E que sinaleiros usem só luvas pretas de algodão
Ele era o meu Norte, meu Sul, meu Este e Oeste
Minha semana de trabalho, meu Domingo de sesta
Meu meio-dia, meia-noite, minha fala, minha canção
Pensei que o amor durava para sempre: que ilusão
Não preciso de estrelas no céu, levem-nas uma a uma
E desmantelem o sol, e escondam a luz da lua
E despejem o oceano todo, e arrasem a floresta
Porque para mim agora já nada de bom me resta
W.H. Auden 1907-1973 (66 anos de rara beleza poética)... quem quizer que vá a net (que foi o que eu fiz)
Jorge Coimbra
quarta-feira, dezembro 24, 2008
Primeiro vieram pelos comunistas
Eu não me pronunciei
Porque eu não era comunista
Depois vieram pelos socialistas
E eu fiquei calado
Porque eu não era socialista
Depois vieram pelos sindicalistas
Ainda assim não falei
Eu não era sindicalista
Depois ainda vieram pelos judeus
Aí também não levantei a minha voz
Porque eu também não era judeu
Foi então que vieram por mim
E já não havia ninguém para falar e defender
tradução livre de Jorge Coimbra
Texto original de Martin Niemoeller que esteve em campos de concentração por falar e não ser indiferente. Eis o texto original em Inglês: (há inúmeras versões onde alguns inserem novas ocasiões de indiferença, algumas até bem verdadeiras nos nossos tempos, mas o texto original é este e é de Martin Niemoeller
First they came for the communists, and I did not speak out--
because I was not a communist;
Then they came for the socialists, and I did not speak out--
because I was not a socialist;
Then they came for the trade unionists, and I did not speak out--
because I was not a trade unionist;
Then they came for the Jews, and I did not speak out--
because I was not a Jew;
Then they came for me--
and there was no one left to speak out for me.
terça-feira, dezembro 09, 2008
post nº 080
MÁRIO ALBUQUERQUE
Tudo começou com um cavalo de madeira.
Cavalinho de pau que trepavas, cansado,
De tanto tentar chegar à tua companheira
Uma bola que, sonhavas ainda acordado,
Do teu cavalo era a única cavaleira.
Mal tinhas começado e já perseguias alturas,
Muito aquém do teu horizonte de menino,
E, para alem de algumas fraquezas e tremuras,
Despertavas já em ti um crepúsculo cristalino…
Predestinado! Como rezariam escrituras.
Fugiste de casa perseguindo uma bola.
Humildemente voltaste, perseguido por ela.
E em sonhos e pesadelos vestiste uma só camisola,
A do esforço, do suor, da queda e da esfoladela…
De um rapaz que fugia… sem fugir, à escola.
Àquela escola onde ensinaste, aprendendo.
A toalha não se deita ao chão da derrota certa.
Perder sem nunca desistir é perder… vencendo.
Aprumado sempre, rumo à grande descoberta
Que mesmo ao perder… vence-se, crescendo.
E assim foste campeão de pontos perfeitos,
Sem perderes a conta aos pontos consentidos.
Lançavas bolas com efeitos… mas sem defeitos,
Transformavas em pontos os cestos perdidos,
Com lançamentos de teus valores e respeitos.
E assim venceste duelos, generoso no gesto.
De compartilhar troféus com quem derrotaste.
Ainda agora, a vida é o aro dum cesto modesto.
Por só mais um lançamento esqueces o desgaste.
Gesto dum homem honesto…! CESTO…!
Mais dois pontos… para o Mário Albuquerque.
Jorge Coimbra
(com grande admiração por um dos maiores… senão mesmo o maior, desportista da minha terra, Moçambique)
quarta-feira, novembro 19, 2008
REPETIÇÃO... (porque hoje ainda se aplica mais o que escrevi em 1972)
do post nº 064
REFÉM
Vivo sozinho e abandonado
Do mundo escorraçado
Vivo sozinho e sem dinheiro
Por dar esmolas ser o primeiro
Vivo sozinho como um ladrão
Vivo de amor que me não dão
Roubo um capim
Faço uma cama
Roubam-me a cama
Fico-me assim...
Vivo com fome e não a sinto
Pinto-a na tela em que me pinto
Sinto a saudade, corro com ela
Perco a corrida, fico-me a vê-la
Olho para o céu, vejo-o vermelho
Espelho de sangue em que me espelho
Olho para a terra, vejo-a de luto
Lapelas engomadas e chão corrupto
Olho para a vida, peço-lhe a morte
Abro uma rifa no cabaz da sorte
Sai-me branca a terminação
Sai-me a tristeza, mas a morte não
Jorge Coimbra
domingo, novembro 02, 2008
ACREDITO NO PAI NATAL
Deixem-me dar agora o salto da fé
Olhos bem fechados, luz bem apagada
A vida que passe por mim em rodapé
Perdida, por nunca ter sido achada
Não me deixem crer ainda na artimanha
Que não aceito mais estar sempre triste
Quem perde, perde, não diz que ganha
E esta minha mão não é uma arma em riste
Acreditarei sempre no Pai Natal
Do meu imaginário mais profundo
Mundo onde o meu mundo é todo igual
Não como este nosso desigual mundo
Ainda ponho sapatinhos à lareira
Ainda sinto os Anjos à minha beira
Ainda trepo às árvores, intrépido
Ainda vejo uma virgem em cada mãe
Ainda perscruto o horizonte mais além
Ainda faço, todos os anos, um Presépio
Jorge Coimbra
quinta-feira, outubro 30, 2008
AS MELHORES COISAS DA VIDA
Inventar uma música
Compor um poema
Lucidez na força
Que quebra a algema
Andar nu e livre
Transportando balões
Insuflados do timbre
Das minhas canções
Sentir numa areia
O salitre da praia
Onde cheguei à boleia
Espinho da micaia
O amor é uma ideia
Em tons de cambraia
Jorge Coimbra
domingo, outubro 19, 2008
Negro nascer do sol
De um dia qualquer
De um princípio qualquer
Escuro, era o dia
Só, era o homem
Seu sonho: a mulher
Seu pensar era nu
Era vago e cru
Felicidade de nada saber
Porém, desgraçado,
O sol escondeu-se em luz cega
E nisto que foi, um ser que chega
Falou de possuir com facilidade
E o homem sorriu da sua vaidade
E disse: eu creio, eu creio
Nisto, nota a costela desaparecida
E rompeu em soluços
Alguém lha retirara
Quando prostrado era de bruços
O ser diferente
Apareceu num repente
Com a tal maçã Bíblica
E ao homem a ofereceu
Que sôfrego a mordeu
Com força triplica
E o ser satisfeito
Cinicamente imperfeito
Disse ao homem:
Homem, sou Lúcifer
Essa maçã era tua mulher
Neste Paraíso, submisso,
Encobriu-se o homem
Destapou-se a mulher
Não culpemos Deus por isso
Jorge Coimbra
terça-feira, outubro 14, 2008
EPITÁFIO
Em gravação tumular,
quero que fique inscrito
que, de clamores e gritos,
memórias não quero levar
Antes abandono a saudade
(que ninguem chore por mim)
morre com a mesma idade
dela me solto por fim
Já do corpo me despeço:
até sempre companheiro!
sai tu de mim primeiro.
Tenho a vida que mereço
entre quebra e recomeço
acabo rindo primeiro.
Jorge Coimbra
sexta-feira, outubro 10, 2008
A PRIMEIRA VEZ
Pegadas que deixei na areia
Ondas da minha praia
Em noite de lua cheia
Curvaturas duma saia
Descalço, despido de tudo
Abraço a lua naquele altar
beijo-lhes os lábios, o olhar mudo
E beijo-lhe as mãos sem falar
Foi uma noite penitente
até que a maré me acorda cedo
molha-me os pés, cheio de medo
Volto para casa mais inocente
Será que foi só providência
A concebida iniciação
que me roubou o coração
que me tirou a carência?
Ainda hoje na minha rua
Já sem areia nem praia
Já sem curvaturas de saia
Espumas do meu coração
Relembram-me a iniciação
Mais inocente da lua
Jorge Coimbra
domingo, outubro 05, 2008
DEIXEI FUGIR
Deixei fugir o Setembro
Fugindo nas asas do vento
Lembrem-me (que já não me lembro)
Se de Verão era tempo
Busquei um fugaz descanso
Fechei os olhos pensativo
Fiz o recuo e o avanço
De quem sabe que está vivo
Acordo como dum sonho
Vai-te, pesadelo profundo!
Pegadas onde as não ponho
Risos que já não tenho
Beijos que já não sinto
Abraços dum vagabundo
Agora já nem sou membro
De poetas ou poemas
Deixei fugir o Setembro
Acordem-me lá mais p'ra Dezembro
Jorge Coimbra
sábado, agosto 23, 2008
ARAGENS DA MINHA PRAIA
Corvos que me miravam
Da praia do miramar
Três peitos brancos voavam
Passando pelo meu olhar
Três vestes negras d'agouro
Três pares de patas na areia
Três garras sobre o tesouro
Pegadas da minha aldeia
Queria aí estar com os três
Debicando à vossa laia
O que no mar se desfez
Salitre e sol que desmaia
Corvos negros como pez
Aragens da minha praia
Jorge Coimbra
quinta-feira, agosto 07, 2008
Poção Mágica da minha terra
Aquele que corria rastejando entre nós
Como uma serpente submissa e escrava
Aquele por quem passávamos absortos e sós
Aquele que nos manchava e depois lavava
Inquieta maré, mistura de todas as poções
Tanto bentas como ímpias e sujas como o sarro
As movediças lamas, capturando nossos corações
Onde acabávamos por lavar nossos pés de barro
Que de ti foi feito, dos teu odores pungentes e fortes?
Do matope onde morrias e vivias todas as mortes?
Nem um rasto, nem uma só pegada, mole e leve
Que de ti fizeram, dos teus anos de imensa glória?
Lá na terra, eras o maior enredo à nossa história
A traição secou-te as lágrimas, já não choras... chiveve
Jorge Coimbra
quarta-feira, julho 30, 2008
quarta-feira, julho 16, 2008
sexta-feira, julho 11, 2008
segunda-feira, junho 30, 2008
domingo, junho 15, 2008
VERBOS
Dispor, repor sem impor
Compor, não descompor
Indispor ao propor
Não pressupor ao opor
Difundir, desinibir
Pungir sem oprimir
Assentir sem bramir
Definir sem fugir
Saber beber com saber
Reconhecer o envelhecer
Amar sem falsear
Aceitar sem mistificar
Honrar sem glorificar
Renascer ao perecer
O autor
VIDA DE POETA
Não sou nenhum poeta
O poeta é aquele que atira a palavra
Como uma bala, como uma seta
Que derrama o sangue de sua lavra
Não sou poeta
Ser poeta é ser nobre
Eu apenas sou pobre
Rico nos sonhos mas pobre nas ilusões
Com os bolsos cheios de acreditar
Vazios de frustrações
Que só tem quem lhe cobre
Sou alguém que nada tem
Não sou poeta
Porque o poeta diz que não é poeta
Que nunca está feliz
Que a vida é uma mentira, uma trêta
Que se calçasse sapatos de verniz
Ele estalava
Ao som de qualquer palavra
E caminharia roto, descalço
E guardaria tudo o que é falso
Num baú a que só ele tinha acesso
Onde escondia da vida o viciado ópio
Num cofre, um caixão, onde devasso
Morreria fazendo amor com si próprio
Não, não sou poeta
Sou a aberração duma estrofe que se anima
Dum poema, dum verso que não rima
Mas não sou poeta
Nem sou deste planeta
Não me reconheço
Nos papéis em que me escrevo
Nem sou eu que os escrevo
Sou um tempo de ampulheta
Que morro e acabo em cada grão de areia
Como letras que escorrem da caneta
Para papeis de peça de teatro sempre em estreia
Não sou poeta, não tenho veia
Não sei ser poeta
Não sei rimar nem fazer versos
Sou um conjunto de papéis dispersos
Jorge Coimbra
domingo, junho 01, 2008
REFÉM
Vivo sozinho e abandonado
Do mundo escorraçado
Vivo sozinho e sem dinheiro
Por dar esmolas ser o primeiro
Vivo sozinho como um ladrão
Vivo de amor que me não dão
Roubo um capim
Faço uma cama
Roubam-me a cama
Fico-me assim...
Vivo com fome e não a sinto
Pinto-a na tela em que me pinto
Sinto a saudade, corro com ela
Perco a corrida, fico-me a vê-la
Olho para o céu, vejo-o vermelho
Espelho de sangue em que me espelho
Olho para a terra, vejo-a de luto
Lapelas engomadas e chão corrupto
Olho para a vida, peço-lhe a morte
Abro uma rifa no cabaz da sorte
Sai-me branca a terminação
Sai-me a tristeza, mas a morte não
Jorge Coimbra
domingo, maio 25, 2008
BRINCADEIRAS DE MAU GOSTO (raistaparte III)
(vide raistaparte I no post 029 A BOLA)
(vide raistaparte II no post 047 A ESPINGARDA)
A Água
A água foi sempre o meu modo de vida predilecto quando era puto. Havia o Mata-sete mas o Mete-água... sou eu mesmo. Uns metem areia nas engrenagens... eu meto água.
Donde é que vêm os bebés, hã?
São as cegonhas que vão buscá-los à água e depois trazem-nos, ainda a pingar, no bico, e deixam cair os pobrezinhos pela chaminé, que até se queimam todos se as mamãs estiverem a cozinhar. Até ficávamos traumatizados e tudo.
A mim... a cegonha enganou-se e atirou-me ao matope do Chiveve. Isso ia dando confusão lá em casa porque só depois de me darem banho (lá está: água!) é que viram que afinal não era preto. (o que eles não sabiam é que eu era, e ainda sou, branco, preto e mulato... vide post nº 013)
A água servia para chapinhar (sim que eu adorava salpicar os outros), servia para nadar (sim que eu danava-me por trocadilhos… como eu danava tão bem! Que nem prego na mania de alguém). Servia para beber (sim que eu sempre tive muita sede de tudo). Servia para tomar banho (sim que eu estava sempre a sujar-me com as coisas que não devia fazer). Servia para tudo…ou quase tudo.
E quem era eu? Eu era um dos putos do Chipangara (bairro pobre de caniço, lata e matope na Beira de Moçambique).
“Terríveis” dizia a minha mãe. “Inventores” dizia-mos nós, os putos. “Catraios da pôrra” dizia o Sr. Dias, da cantina com o mesmo nome, e que era de Vila Nova de Gaia Carago).
Assumindo sempre aquilo que éramos, terríveis, inventores ou da porra, segundo o ponto de vista, e sabendo que devíamos sempre viver conforme a fama e que a fama não servia para nada sem o proveito... decidimos construir um barco, diria mesmo o nosso iate.
Já tínhamos roubado tantas vezes o “coxo” do Tomé pescador que tivemos pena dele. Atenção! Que “Coxo” não era a condição física do Tomé pescador mas o nome que se dava (lá no Chipangara) às pirogas cavadas dum tronco de madeira.
A estrada para a Praça da Índia alagada... o "coxo" a trazer o meu pai.
E também a palavra “roubado” está aqui mal aplicada, pois nós só roubávamos o Tomé pescador temporariamente. Era só para dar umas voltas no lago atrás da minha casa. E só até o “coxo” virar ou/e nós ficarmos molhados... o que quer que viesse primeiro.
Mas agora com estas cheias, o Chipangara estava cercado de água por todos os lados, para nosso deleite… ou de l’água.
Por isso é que o “coxo” do Tomé era muito requisitado para transporte de pessoas. Era o “machimbombo” do Chipangara durante as cheias. Era o nosso táxi local.
Os coqueiros do terreno da D. Catarina de 112 anos de idade, a casa do Rocha (Tufas) e nós, 3 dos putos do Chipangara à espera do "coxo" que chega...
Com estas cheias, duas das três pontes do Chiveve estavam submergidas e a outra desaparecida. Bestial!
Então decidimos construir o nosso próprio bote. Nunca a expressão “dar o bote” se aplicou tão bem, como verão a seguir.
Materiais? Ferramentas? Pequenas necessidades para nós inventores.
Pusemo-nos a pensar... “havia o DêKáVê do Sr. Dias, da cantina com o mesmo nome. Estava a cair de podre, pensámos nós. Tinha os pneus vazios, ou quase. Estava velho, ou quase. Já não servia para carro. Só servia para fazer um barco, ou quase.
O DêKáVê era um DKW, sim senhor. Já tínhamos o material: a capota do DKW. Quanto a ferramentas... ora, qualquer martelo e escopro serve.
O que se queria era sacar a capota e virá-la ao contrário... tinha que flutuar.
O “Tufas” que era a alcunha do Adolfo Rocha, porque cada vez que fazia algo difícil, como martelar, dizia “tufas!”, como quem diz “toma lá!”... Mas, como dizia eu, o Tufas era bom de martelo.
Depois de muito amasso, umas vezes na chapa outras nos dedos, tufas, conseguiu-se tirar a capota ao DKW do Sr. Dias. Ele há dias do caraças (ou carago, como diria o próprio Sr. Dias).
Agora o DKW sem capota ficou mais encapotado pois já pouca semelhança tinha com um DKW.
Ah era necessária qualquer coisa que selasse os buracos, causados pelas marteladas mal dirigidas, e vidros desencaixados. Sim, porque o barco tinha vidro á frente e atrás para ver os peixes. Ia ser do camândrio (nunca cheguei a saber o significado desta palavra).
Babámos de prazer antes de ir para a cama, ao fim do primeiro dia.
No dia seguinte, já com ideias novas, fomos reunir no sítio do costume (na nossa palhota de caniço no meio do mato). “É preciso alcatrão” disse o Tufas, que tinha sempre qualquer coisa para dizer e, desta vez, até fazia sentido.
Não havia problema. Ali mesmo ao lado, no bairro das Palmeiras, que nós conhecíamos por “Correios”, andavam a alcatroar as ruas. Só era preciso ir buscar o alcatrão.
Roubar um balde de alcatrão quente só é difícil para quem rouba sem luvas. Também nunca nos passou pela cabeça cobrir as nossas impressões digitais.
Roubou o Tufas, o mais forte, e o Chico, o mais veloz. As camisolas estragaram-se com alcatrão quente. Todos apanhámos uma sova nesse dia. Éramos solidários uns com os outros.
“Não aguenta camisola” nunca foi uma frase que se aplicasse muito a nós.
Ah, o Chico era da família dos Manacas, não sei em que geração, mas tinha os genes deles, que foram dos melhores desportistas de Moçambique... tinham recordes e tudo. Por isso era o mais veloz, só por isso, mais nada.
Mas o nosso barco, ex-capota, precisava de ter os buracos fechados, vidros encanados, etc., e o alcatrão veio mesmo a calhar.
Toca a trabalhar. Toca a remendar os buracos, toca a selar os vidros, toca aqui, toca ali (era o dá-me cinco, “give me five” do nosso tempo).
Está pronto! Há que fazer a viagem inaugural!
Toca a carregar o barco para o lago do Chipangara. Já estava baptizado. Era o “caniço”. E a provar tínhamos escrito o nome na parte de trás, em tinta branca, roubada ao (até me custa dizer) Sr. Dias, da cantina do mesmo nome.
Barco à água!... Todos a bordo! Bem, todos juntos éramos cinco. O barco afundou. Apanhámos a primeira molha logo ali no molhe, por entrarmos todos à molhada.
Havia que fazer turnos. Dois de cada vez e sem fazer ondas.
Ondas... n'é? Deviam ter visto as ondas que o Sr. Dias, da cantina com o mesmo nome, fez quando nos viu a navegar de capota.
Demorou algum tempo a perceber que era o seu DêKáVê, como já disse antes, encapotado.
A cantina com àgua de permeio, entre o Chipangara e o bairro das Palmeiras ("Correios"). Um barco (verdadeiro, sem estar encapotado) que servia para o vai e vem da cantina do Dias... e a civilização.
Resumindo: O primeiro a apanhar foi o Quim (de Joaquim, que era o filho mais velho do Sr. Dias). O segundo foi o Guêdo (de Alfredo, que era o seu mais novo). A seguir foi o Tufas (que tinha jeito para o martelo, mas era fraco em desculpas). Depois foi o Chico (que avó Joaquina não perdoa). Por fim fui eu (que a minha mãe só deu ralhete, mas o meu pai nem falou,... Pimba! Tufas!)
A verdade é que p’raí uns vinte dias depois, já o barco era da exclusiva pertença dos putos do Chipangara.
Subimos a parada.
Para não magoar mais o Sr. Dias, quando nos via a passear de barco, mesmo à frente da sua cantina, do mesmo nome, fomos com o “caniço” até à praia.
Imaginem os “bifes” que enchiam a praia à frente do Miramar (também não era preciso ter ido tão longe), imaginem a cara deles ao verem passar cinco putos a carregar uma capota de carro até à água do mar... e partir de abalada.
Cinco putos que podiam ter mudado o rumo das histórias de aventuras se a Enid Blyton tivesse tido conhecimento deles.
Parece que ainda estou a ver a cara dos “bifes”. Alguns levantaram-se e fizeram pala com a mão para ver melhor, em surpresa e espanto, que só dignificava o nosso trabalho.
As gaivotas fugiram que era dia de borrasca no mar e na terra é que se tá bem.
Os caranguejos, cada um no seu buraco, observavam.
Não era maré de camarão fino, nem alforrecas, nem bagres nem buinos. Todos se piraram com medo das represálias de Poseidon.
Uma capota a navegar com dois putos por marujos. Um sentado a remar outro em pé, da camisa aberta, segura pelas mãos (á laia de vela). “What a site” disse um bife!
“What a stupid” disseram os cinco putos, depois de ver que um barco, sem patilhão, ou qualquer outro meio de navegação, era impelido pelo vento, sem destino.
E o destino quis que o barco afundasse não muito longe da praia... p’raí uns 200 metros. Os putos nadaram para terra ajudados por alguns “bifes” que chegaram a temer o pior.
Nós, pelo contrário, nunca temíamos o pior. Nós só temíamos que o céu nos caísse em cima sob forma de tareia, nada mais.
A roupa secou a caminho de casa... não deixou provas. Sem provas não há culpados. Sem culpados não há castigos.
Termino esta história com um pequeno apontamento só para dizer que, no outro dia, antes dos “bifes” acordarem, e antes da maré subir, já tínhamos resgatado o nosso barco. Foi preciso uma corda nos dentes e alguns mergulhos... nada de muito difícil.
Voltámos para o Chipangara. Tínhamos já dado a volta ao nosso mundo. Tínhamos já material para contar ao nossos filhos e netos.
O “caniço”, essa ex-capota da marca DKW, afundou finalmente no dia em que deixámos o Chipangara, mas flutuará para sempre nas águas da minha memória.
Jorge Coimbra
domingo, maio 18, 2008
GESTOS DE AMOR
Mãos que falam e que dizem tudo
Dedos... lábios, gestos entrelaçados,
Como carinhos de beijos apaixonados
Palavras silenciosas dum poeta mudo
Nunca o silêncio é tão eloquente
Como no sossego das palavras desenhadas
Pintadas no ar em que são criadas,
Gestos surdos, como amor adolescente
Queria atirar-me sem fazer barulho
Para dentro da alma e, em mergulho
Afogar preconceitos, sem ter pavor
Queria ser poeta de gestos, não palavras
Queria ter as mãos como minhas escravas
Para as obrigar a descrever o amor
domingo, maio 11, 2008
ULTRAPASSEI A CRISE DOS 60... como diria o Zé Paulo (em número de mensagens... não de idade, que essa já ultrapassei há muito tempo, em espaço mas não em tempo).
Se os primeiros são sempre os últimos os últimos são sempre os primeiros.
Eu disse nada ao meu filho Eric...
Eu não disse: eu nada disse ao meu filho Eric...
Eu disse: eu disse nada ao meu filho Eric...
Percebeis?
Ver o vídeo.
Jorge Coimbra
segunda-feira, maio 05, 2008
quinta-feira, maio 01, 2008
segunda-feira, abril 28, 2008
Eu prefiro estar sempre triste
Do que ser um alegre traste
Prefiro fazer pouco de mim
Que do meu riso outro gaste
Eu prefiro ser bom marido
Do que estar bem marado
Prefiro andar sempre ferido
Do que dar nome a feriado
Prefiro tornar-me obsoleto
Do que parecer absoluto
Prefiro desgastar-me a falar
Que ter que ouvir até me gastar
Prefiro sujeitar-me a descobrir
Do que destapar-me a encobrir
Prefiro ser uma grosa de obra
Do que ser o grosso do ébrio
Prefiro ser um circuito fechado
Do que o fio de terra reciclado
Prefiro ser mais obsessivo
Do que possuído obcecado
Prefiro ser chamado de Jorge
Do que ser chamado Porfírio
E prefiro que só de Jorge me chamem
Do que de Porfírio me aclamem
Prefiro ser o hoje e o agora
Do que ser o ontem ou o amanhã
Prefiro ter uma hora, em cada hora
Do que viver sempre em ante manhã
Prefiro ter melhor escrever
Do que ter melhor falar
Prefiro poder corrigir e safar
Do que já não conseguir apagar
Prefiro ter asas e voar
Desprender-me, elevar-me e pairar
Prefiro até ser penugem do ar
Do que não ter penas e penar
Prefiro ser chamado de Zé
Do que por Zé ser chamado
Prefiro a Divina providência
Do que política de previdência
Prefiro dormir mal acamado
Do que me acamar ao meu fado
Prefiro ser um humilde pecador
Do que algum super pregador
Prefiro ter a opção de preferir
Do que a obrigação de preterir
Prefiro acabar agora estes versos
Para que os ajuntem dispersos.
Eu prefiro…
Jorge Coimbra
sábado, abril 26, 2008
post nº 057
BIG BANG
No tempo antes do tempo começar
Num pestanejar de olhos, Deus,
Faz-me brotar num firmamento
Transformando-me do pensamento
Que era só invenção de sonhos meus
Foi só nesse momento bendito
Um uivar de pouca dura
Arrepiante por ser disforme
Que me converte da massa informe
Numa explosão latente e pura
Foi somente um mero momento
Mas um estrondo de tal tamanho
Um relampejar de raios mil
Que no troar desse som subtil
Me início neste céu estranho
Foi num dia assim, castanho
Que Deus criou o universo
E quanto o mais faz disperso
Mais eu junto desse Deus venho
Mil galáxias! Quem me aponta
Buracos negros sem fim,
Entre um sol ou um arlequim,
O azul que em mim desponta?
Eis me aqui chegado e dado
Nascido, do nada feito,
Crescido de qualquer jeito
Mas dos confins amado
Jorge Coimbra
sexta-feira, abril 18, 2008
DESENCONTRO
Nos desencontros da vida
É que nós nos encontramos
Alegria surpreendida
Pelas rugas... rostos humanos
Quisera ser eu... foragido
Para roubar aquele encontro
Ao tempo... agora fugido
Sem ter que fugir do tempo
Esse tempo que nunca apaga
Mesmo ao passar à pressa
A saudade, essa terna mágoa
Que abraça quem regressa
Nesse tempo que te passou
Nunca perdeste ou ganhaste
Nunca sofreste ou gastaste
Algum do tempo que sobrou
Mas sobra-te agora o alento
Para dizer, lá bem de dentro,
Que hoje voas com o vento
Para revisitares o tempo
Daquele maravilhoso encontro
Jorge Coimbra
Para todos os meus amigos, que um dia vou rever, nem que se parta a clepsidra da vida.
sábado, abril 12, 2008
Hoje andei por toda a Beira... vi todas as casas onde morei... todas as escolas onde estudei... todas as praias onde nadei... todos as ruas por onde caminhei, nos tempos em que julgava que a vida não tinha fim... e agora mesmo, neste momento, acabei de perceber, finalmente e completamente, porque ainda choro de saudades...
Porque hoje:
... Em todos os bancos de jardim sentei-me com todos os meus amigos.
... Fui a todos os cinemas, vi todos os filmes, com todos os meus amigos.
... Bronzeei na praia, ao desafio, com todos os meus amigos.
... Estudei em todas as escolas... mesmo aquelas onde não estudei.
... Namorei com todas as moças... mesmo aquelas com quem não namorei.
... Viajei em todos os machimbombos... mesmo aqueles em que nunca entrei.
... Abracei todos os amigos... mesmo os que com quem nunca me cruzei.
... Depois chorei... e, quando parei de chorar, ainda mais uma vez chorei.
... Porque ao te ter deixado, Beira... nunca te deixei…
... Se de ti tenho saudades... são as saudades que tenho de todos os amigos que jamais perderei.
... Perdoa-me Beira... se ainda te amo... mas não consigo esquecer-me de ti.
... Queres seguir a tua vida... mas eu te amarrei para sempre no meu coração.
... Perdoa-me Beira... porque sou ciumento... sem ti, perdi o meu espiritual sustento
... Perdoa-me Beira... porque te vou ainda ver... nem que seja só mais uma vez... Para poder dizer, nem que seja pela última vez:
“Olá! Olá cajueiro que suportaste o meu peso ao subir-te. Olá coqueiro que me deixaste roubar o teu coco. Olá mar salgado dos pontões, do salitre, que me deixaste lavar nas tuas águas.”
“Obrigado Beira... que em mais nenhum lado me eduquei... como tu me educaste.”
“Obrigado Beira... com todos os teus conteúdos... com toda a tua gente... com todos os meus amigos... amo-te para sempre…mesmo que o sempre seja a palavra mais derradeira que me deixaste.”
Obrigado Beira
Jorge Coimbra
sábado, março 29, 2008
A MINHA PRIMEIRA PRINCESA
Faz hoje exactamente 30 anos que no longínquo Triangle, no longínquo Zimbabwe, nascia o meu primeiro filho de todos os meus filhos: uma menina, uma princesa, uns olhos enormes que me olharam, ainda dentro da incubadora (porque estava frio) e, com a cabeça levantada, mostrando aquela força que ainda hoje tem) e com esses olhos disse: Daddy... do you love me?
Hoje, 30 anos decorridos, decorre uma eleição no Zimbabwe para eleger os não-eleitos.
Quanto à Natasha... elegi-a Princesa, a minha primeira.
Daddy
ESCRITO NAS ENTRELINHAS
Escrevo linhas nas entrelinhas
Confundo-me com linhas a mais
Sob um céu de mil estrelinhas
Equidistantes, transcendentais
Agora…
Exponho sempre o que posso
Compondo só em compasso
Entre as linhas do que ouço
E as entrelinhas do que faço
Ao despir meus restos mortais
Quando expirarem as credenciais
Para legado, dou minha última riqueza:
O “pensamento” que nunca foi demais
Envolvem-se já as linhas de defesa
E ninguém come mais à minha mesa
Altezas reais, pedintes, mortais ou imortais…
Que os defuntos são todos iguais…
Agora…
Quem me mentir perde a franqueza
Jorge Coimbra
Bebi da água da tua alma,
Por Mark Coimbra em ABISMO DE PENSAMENTOS E SONHOS (vide conexões)
Abismo de pensamentos e sonhos
E assim, como que um elemento estranho, memórias, pensamentos vertiginosos, sonhos incompletos, sensações solitárias atravessam esta mente, deslocados da realidade, falsas, mentirosas que contam, no fundo, toda a verdade... Gritam, no alto dos pulmões para toda a gente, talvez ninguém… ouvir... eu sussurro para ninguém, talvez alguém… ouvir... Diário de um estranho deslocado no tempo e no espaço...
sexta-feira, março 21, 2008
ALGEMAS
Arquivei hoje um poema
No meu baú de memória
Com cadeado e algema
Para esconder o problema
De já ter passado à história
A verdade compulsória
Atacava-me qual dilema
Mentia-me contraditória
Atrasando a moratória
Em ansiedade extrema
Urdi um estratagema
E fiz uma invocatória
Em empolgada oratória
Furei o maldito sistema
Furtando-me à palmatória
Que açoitava por lema
Mas nesta trajectória
Como projecção em cinema
De esquema em estratagema
Perdi a eliminatória
Por café bebi chicória
Cuja aproximação à história
Do poema... nem é emblema
Acendo um pavio à Jurema
Com cheirinho a alfazema
Pedi-lhe com fervor a vitória
Duma verdade com a glória
De ter escrito este lema
“Amar sem usar algema”
Jorge Coimbra
sexta-feira, março 14, 2008
CARUSO de Lucio Dalla
(traduzidoprumim)
Ali onde o mar brilha
E sopra forte, o vento
Sobre um velho terraço
Em frente ao "Golfo di Surriento"
Um homem abraça uma mulher
Depois de ter chorado tanto,
Logo que limpa as lágrimas,
Recomeça o canto
Te tenho tanto amor
Mas tanto, tanto, tanto amor
Amor que agora é dor
Do sangue que se esvai em pranto
Fixou as luzes no meio do mar
Pensou nas noites lá na América
Eram somente reflexos de luar
Trilho de espuma fugaz e etérea
Escuta com a dor da música
Que se eleva dum piano forte
Vendo a lua romper a nuvens
Parece-lhe ainda mais doce a morte
Olhou nos olhos da mulher
Olhos verdes como aquele mar
De improviso cai-lhe uma lágrima
Pranto onde se irá afogar
Te tenho tanto amor
Mas tanto, tanto, tanto amor
Amor que agora é dor
Do sangue que se esvai em pranto
Com a energia da lírica
Onde o amor se perde em drama
Coloca um pouco de maquilhagem
Mímica da morte que tanto o chama
Iria transformar-se num novo homem
Se não fosse pelos dois olhos frios
Facas que lhe cortam as palavras
De pensamentos já confusos, vazios
O mundo torna-se tão pequeno
Também as noites lá na América
Sem amor, perdido na espuma
Naquela espuma fugaz e etérea
Mas se for a vida que termina
Já não pensará mais quanto
Amor que o faz infeliz
E recomeçará o canto
Te tenho tanto amor
Mas tanto, tanto, tanto amor
Amor que agora é dor
Do sangue que se esvai em pranto
tradução de: Jorge Coimbra
sábado, março 08, 2008
JÁ NÃO PROCURO NINGUÉM
Já não procuro ninguém
Conheço já todo o mundo
Um mundo que me fez bem
E outro mundo mais imundo
Já me cruzei com o tratante
Já descobri o traidor
Já apanhei o assaltante
Que me roubava o amor
Já me confessei em directo
Já me encontrei, eu mesmo
Quando perdi o amor secreto
Depois de achar outros a esmo
Já acordei de pesadelos
Já adormeci para sonhos
Confusamente desfiz novelos
Emaranhando-os, medonhos
Ao nascer num último dia
E morrer num dia primeiro
Acordo sempre de cara fria
Será o meu dia derradeiro?
Já não procuro vivalma
Entrego-me ao abandono
É sereno que perco a calma
Que já me embarga o sono
Que agora sonho mais baixo
Para não me despertar
Quem me queira agora agarrar
Procure onde me encaixo
Que eu estou cabisbaixo
Pois vou ter que me encontrar
Já não procuro ninguém
Conheço já todo o mundo
Este mundo já não me faz bem
Este mundo está mais imundo
Jorge Coimbra
sábado, março 01, 2008
PENSAMENTOS TÃO SOLTOS
A felicidade tem uma ligação directa à alegria com que fazemos todas as coisas. Eu conheço muitas pessoas bem felizes com pouco. Mas conheço muitas mais infelizes que tanto têm.
Sou pai de vários filhos, todos bem variados uns dos outros. Aos do meu sangue tento ser bom pai, falhando muitas mais vezes do que aquelas que queria. Aos do meu afecto tento ser bom pai sem nunca me esquecer que eles já têm pai.
Precisava-mos de ser governados por um poeta com os pés assentes na terra e o espírito ao alto. Precisamos de alguém que nos diga ainda que as utopias poéticas, como a paz e a igualdade para todos, são ainda possível.
Precisamos de ser felizes com pouco, alegres como muitos, pois ainda somos muito pouco seres humanos.
Jorge Coimbra
terça-feira, fevereiro 26, 2008
A ESPINGARDA (raistaparte II)
Para nós, os Putos do Chipangara (dementes como nos chamava o Sr. Dias da cantina), construir uma espingarda não foi muito difícil.
Material havia em barda. Nas obras, que por ali se faziam, havia muitas coisas que se podiam aproveitar.
Aproveitámos um tubo de canalização de água que já tinha um bujão a tapar uma das extremidades. Com a chave francesa, que o meu pai me emprestou sem saber, mais o berbequim que o Sr. Dias tinha mesmo à mão de usar, sacámos o bujão do tubo e, com muito cuidado, suor e impropérios, impróprios para a nossa idade, fizemos-lhe um furo mesmo à maneira.
De seguida fomos comprar fiado umas bombas de Carnaval à cantina Dias, cujo dono tinha o mesmo nome. As bombas “águia” eram as mais potentes e tinham um rastilho maior.
Com um pouco de madeira, que por ali abundava, mais uma goiva e um formão, martelo, polaina, muito esforço e pouca perícia, lá conseguimos fazer uma culatra para a nossa espingarda. Lembro-me de o Sr. Dias se ter queixado que “alguém” lhe tinha “ido” ao arame, pendurado na porta da cantina, que vendida a metro. Esse alguém foi o mesmo que amarrou o cano à culatra.
Espingarda feita, falta o teste.
Enfiámos o rastilho da bomba “águia” através do furo no bujão e rolhamos com toda a nossa força na extremidade do tubo. Pensámos, na altura, que o tiro podia sair pela culatra, por isso usámos mesmo muita força.
Procurámos um berlinde que se ajustasse, na perfeição, à largura interior do tubo, que, devo dizer, foi a parte mais fácil.
Com a espingarda devidamente municiada, fomos procurar um muro que ficasse virado para o mato, no caso de haver suspeitas do teste de tiro que nós íamos fazer.
O muro do quintal do Dias ficava virado para o mato, só tinha uma estradinha de terra batida de permeio.
O plano estava traçado: acender o pavio, fugir a sete pés…não, dez pés que nós éramos cinco.
Posso agora dizer, com segurança, que quem partiu a cabeça ao ciclista que passava fomos nós. E que quem partiu a clarabóia do telhado do Sr. Dias foi o ciclista vingativo. Não foram nem o Quim, nem o Guêdo, que a partiram... foi o ciclista. Mas o Sr. Dias não acreditou neles.
A espingarda desapareceu convenientemente, depois de desmontada.
O crime não compensa mesmo.
quinta-feira, fevereiro 21, 2008
JANELA DO SONHO
Para mim tu és a janela
Do meu sistema solar
Vives para alem das estrelas
E vogas nas ondas do mar
Caminhas na selva Africana
Sonhas na cascata ao luar
No sopro da zarabatana
Imitas o condor a voar
Ribomba nas altas montanhas
Ecoas nos vales sem fim
E marcas com passos na areia
Pegadas de alecrim e jasmim
Estrela que me deixas perder
No meio deste mundo medonho
Não peças para fechar a janela
Desta realidade.... Meu sonho
Sereia, que me fazes sonhar
Como uma gaivota pairando
Por sobre as ondas, sabendo
Que a felicidade lhe vem do mar
Jorge Coimbra
quarta-feira, fevereiro 20, 2008
segunda-feira, fevereiro 18, 2008
O TEMPO
Hoje um senhor que, ao princípio, eu julgava ser um meteorologista, disse, na rádio, que havia uma depressão no tempo. Aí eu percebi logo que me tinha enganado e que o senhor era mas é um psicanalista, um psiquiatra, um senhor que percebe destas coisas... de depressão.
O tempo está deprimido e é por isso que chora... desde ontem que não pára. Está mesmo num estado depressivo. E como os olhos do tempo são muito grandes, quando sente mais a depressão, chora, causando muitas inundações.
Eu, por outro lado, sei bem o que é uma depressão e, também agora, compreendo porque choro às vezes. É por estar deprimido.
Mas como os meus olhos são pequeninos, não causo inundações nem ninguem dá por nada. Nem sabem que estou deprimido.
Tenho que ir fazer uma consulta com esse senhor psicometeorologista. Tem que haver uma previsão para a precipitação que sinto, com subidas e descidas súbitas de temperatura que me deixam mesmo enevoado.
Deprimidamente,
Jorge Coimbra
sábado, fevereiro 16, 2008
post nº 042
JONE CHIPÂNGUA
Quem é o Jone Chipângua?
O Jone Chipângua é a pessoa que me tem instruído nas coisas da vida. No amor das coisas pequenas, na simplicidade, na humildade... etc., etc. Infelizmente, nem sempre tenho conseguido percebê-lo e, pior ainda, seguir os seus conselhos.
Não deseja divulgação de quem é. Diz: "Não é preciso “minino”... O pobre só quer um abraço amigo, pequeno,... O pobre não precisa de ter nome grande, não."
É este o Jone Chipângua (Jo, como eu lhe chamo). Para mim ele tem sido um Mestre, e um bom Mestre. E, já agora, diz ele: "Um Mestre é aquele que se julga servo... O que se julga mestre não passa de um mau servo."
Viveu comigo no Chipangara. Comeu à minha mesa, no chão. Não dormiu na minha cama, porque se mantinha acordado para me proteger da noite escura. É o meu Anjo da Guarda.
Não tenho palavras para lhe agradecer. É tão íntimo comigo que comigo se confunde. É o meu Melhor amigo. Um dia poderei dizer mais... Mas só com a permissão do Jo, só que ele não gosta de grande nome em nome pequeno.
Lembro-me...:
"Meu filho (fala-me como se eu na realidade o fosse) vais saber, um dia, como é difícil para uma moeda cair de pé. Cai quase sempre para um dos lados.
O lado de cima não reconhece o outro, qualquer que seja o lado que ficar por cima. Apenas se vê esse lado, o outro não, apesar de também lá estar.
Se a moeda caísse direita, em pé, já se podiam ver ambos os lados. Já se tinha uma visão do seu todo. Assim é o equilíbrio que se deve ter nas nossas vidas... Ou arriscamo-nos só a cair para um dos lados, lado que há-de ser sempre oposto ao outro, há-de ter sempre o outro escondido. É difícil, mas é essencial."
"Os maus também praticam o bem. E os bons praticam também o mal."
"Meu filho, vai caminhando, empurrando o aro da bicicleta com esse arame, sem nunca o deixares cair. Quando o conseguires fazer, vais ver que muito mais compreendes e perdoas... Começando por te perdoares a ti próprio pelo mal que praticas.
Nunca deixes cair o aro, que é a roda da tua vida. Mas se cair... levanta-a, sacode-lhe a poeira, e continua a correr rua acima... sempre empurrada pelo arame, que é a varinha de condão que nunca deves perder... chama-se vontade".
De Jone Chipângua, por meu punho.
Jorge Coimbra
O campo de trigo espera
O dia de ser ceifado
Não é morte contrafeita
Nem é fim anunciado
Que perecer feito pão
Na boca duma ansiedade
Isso não é morte, não
É morrer para a liberdade
Liberdade para dizer
À boca que o consome
Foge de mim, foge, some
Se me não vieres comer
Matarei a tua fome
E quando me vires morrer
Lembra-te que em teu nome
Morro sempre que comeres
Jorge Coimbra
sexta-feira, fevereiro 15, 2008
post nº 040
SER
Sou a vida, sou a morte
Sou o tudo, sou o nada
Sou o sonho, sou a realidade
Sou a fantasia, sou a sanidade
Sou a ilusão que nasce na escuridão
Sou a luz que vive da integridade perdida em vão…
Sou o certo, sou o errado
Sou o paraíso, sou o inferno
Sou a alma, sou a pedra
Sou o rio, sou o oceano
Sou aquilo que existe que nos faz perder a razão
Sou a sombra que caminha por entre o esquecido como o vento do furacão
Sou o planeta, sou o universo
Sou a água, sou o deserto
Sou o sentimento, sou o gelo
Sou a lua, sou o sol
Sou o eco que vibra nas paredes da mente
Sou a voz que encanta e embala deliberadamente…
Serei eu o amor?
Escrito por Mark Coimbra no dia dos namorados (ver CONEXÕES):
ABISMOS DE PENSAMENTOS E SONHOS
Afinal, eu tenho a quem sair... eu sabia!
Jorge Coimbra
terça-feira, fevereiro 12, 2008
segunda-feira, fevereiro 11, 2008
Se não és gente, és gente pobre, pobre semente
Se a vida te desfaz num dia, és pobre gente
Outros, que desdenham tudo, vão-te roubar
A nobreza de seres pobre para te matar
Se todos juntos formos bola indestrutível
Separados seremos areia indistinguível
Ventres com fome ressoam, mais um canhão
Semente da nossa semente germina em vão
Se quem calca uma mina é morte jovem
Foi moço que moços negaram ser homem
Foi ventania que do seu voar se cansou
Gentes que o são à pressa, escondem a tumba
Desse soldado sem nome, que vez só uma
Vestiu uma farda e nela se matou
Jorge Coimbra (ex: furriel miliciano)
02/11/1974
de guerrearmos pela paz, sem fazer guerra